Discurso do Concurso Interno de Oratória JCI 2017


Boa noite a todos. Agradeço por essa noite me darem voz. Por muito tempo fui calada, assediada, coagida, violentada… Não se assustem, nem se levantem para se retirar que eu vou lhes explicar.
Me chamo Nicoli Krayevski Fernandes sou professora participo da JCI São Bento do Sul desde o ano de 2011 e na noite de hoje pretendo ser mais do que somente a minha voz. Quero ser a voz de quem não a tem.
Dar voz para mulher parece piada, ainda parece caridade.
Sei que alguns devem estar pensando: pronto começou o mimimi. É sempre assim, quando se fala do espaço que a mulher ocupa, que luta pra ocupar.
Outros devem estar pensando: mas ela não ia falar sobre violência? Por que está falando então sobre o espaço da mulher? Bem, para se ter maior credibilidade é preciso dados, certo?
Então, vamos aos dados:
A cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil.
A cada uma hora e meia um homem assassina uma mulher no Brasil, apenas por ser mulher.
É a esse crime que se dá o nome de feminicídio.
O termo feminicídio ou femicidio é algo tão recente que word não reconheceu enquanto eu digitava esse discurso, tão novo que acaba virando piada na boca de macho.
O assunto não é piada, não é engraçado, é sério, muito sério e muito triste.
Estima-se que, entre 2001 e 2011 tenham ocorrido mais de 50 mil homicídios motivados por misoginia:
Isso torna o Brasil o sétimo país que mais mata mulheres no mundo. Existem mais mulheres que morrem por violência doméstica do que por câncer e acidentes de carro.
Se tratando de mulheres negras os números são ainda mais alarmantes:
De acordo com a Organização Mundial da Saúde entre os anos de 2003 a 2013 o número de assassinatos de mulheres negras cresceu 54%.
E se esses números ainda não lhe assustam saiba que 43,4% dos femicídios cometidos em 2011 tiveram autoria do parceiro ou ex parceiro da vítima.
Os números chocam e causam questionamento e embora não haja uma origem única podemos buscar algumas pistas em nossa história.
A filosofa Angela Davis em seu livro Mulher, raça e classe aborda o fato das mulheres negras não serem tratadas como frágeis e castas muito pelo contrário foram obrigadas a realizar trabalhos que exigiam o uso da força.
O que as diferenciava dos homens e essa torna-se uma diferença crucial eram o fato de terem seus corpos violados pelo estupro.
Seguem-se os cafezais o açúcar e os senhores de engenho e a época dos grandes comerciantes sempre o poder do homem ligado ao poder financeiro.
Nesse período o homem era dono da mulher ao casar podia bater, surrar, até matar sem consequências.
O machismo está arraigado em nossa cultura onde o homem teve o poder durante toda nossa história. A herança deste passado apenas se reflete nos dados atuais.
De acordo com o DataSenado aproximadamente UMA em cada CINCO brasileiras reconhece já ter sido vítima de violência doméstica ou familiar provocada por um homem.
Isto no entanto não quer dizer que elas foram ou são violentadas fisicamente todos os dias.
Este tipo de agressão costuma acontecer depois de uma série de investidas psicológicas contra sua integridade mental.
Amor não machuca
Amor agride
Amor não violenta
Amor não grita
Não humilha
Não explora
Não mata
Não oprime.
O nome disso não é amor, e sim abuso.
E precisamos urgentemente parar de romantizar o abuso.
Ele está tão presente em nosso cotidiano que a gente começa a naturalizar e muitas vezes não percebemos como a romantização do abuso está em um livro que você lê, está na novela, na série, no filme que você assiste, está na música que você ouve e gosta… Legitimando assim a violência.
Provavelmente vocês já devem ter ouvido falar do chamado “crime passional”, que é o crime cometido motivado por amor ou paixão.
Não existe crime passional. O que existe é feminicídio.
Este problema está tão enraizado em nossa sociedade que um dos ditados que mais se ouve é: em briga de marido e mulher não se mete a colher.
Se mete acolher sim!
Se mete a colher, denuncia, e mete a policia no meio também.
Precisamos deixar claro uma coisa: a culpa nunca é da vítima!
Vou repetir:
A culpa nunca é da vítima!
Fui clara?
A culpa não é delas, a responsabilidade não é delas.
Hoje foi a moça estampada na capa do jornal mas de certo era uma qualquer sabe-se lá com quem se meteu. Pediu pra apanhar pediu pra morrer… Amanhã pode ser eu, pode ser sua amiga pode ser a sua filha a sua irmã a sua mãe pode ser você!
Para concluir o que posso deixar é um questionamento pois também não possuo a resposta de como é possível solucionar um problema tão grave que se arrasta a tanto tempo.
Mas alguma coisa precisa ser feita e se a mudança das estruturas que sustentam a sociedade é lenta pelo menos a gente tem o poder de falar e a gente precisa falar sobre isso.


Para encerrar gostaria de utilizar das palavras da poetisa Rupi Kauer:

Quero pedir desculpa a todas as mulheres que descrevi como bonitas, antes de dizer inteligentes e corajosas. Fico triste por ter falado como se algo tão simples como aquilo que nasceu com você fosse seu maior orgulho, quando seu espírito já despedaçou montanhas. De agora em diante vou dizer coisa como: Você é forte ou você é incrível! Não porque não te ache bonita, mas porque você é muito mais do que isso.
Obrigado.

Comentários

  1. Parabéns Nicoli, ótimo discurso! Precisamos dessa representatividade. Muito triste e chocante o feminicídio, não podemos nos calar.

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  2. Perfeito! É isso aí... Em briga de marido e mulher, se mete a colher sim!

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